Em meio à maior crise da história do Tocantins, a Assembleia tem tudo
para ser a grande protagonista na busca por soluções. Os deputados podem
dar uma contribuição sem precedentes neste momento de dificuldades,
como através da Comissão Especial de Estudos para o Novo Ordenamento
Econômico, Administrativo, Social e PolÃtico do Tocantins, batizada de
Cenovo. Contudo, não adianta debater os problemas do Estado de um lado,
e, de outro, demonstrar pequenez sentando-se sobre projetos
fundamentais, caso dos pedidos de empréstimos; e avidez quando se trata
de interesse próprio, como no episódio das emendas parlamentares.
� um total absurdo e uma profunda imoralidade que o Palácio Araguaia
tenha que remanejar R$ 4,787 milhões da merenda escolar (R$ 169 mil) e
da reserva do Estado (R$ 4,6 milhões) para garantir o pagamento dessas
emendas, como mostrou a edição de sábado, 17, do Jornal do Tocantins.
Um deputado foi às redes sociais defender que não é isso que tira
dinheiro da merenda, mas as contratações milionárias de tendas e
consultorias pelo governo. Ainda disse que imprensa estaria tentando
jogar a opinião pública contra a AL.
Os erros do Estado não justificam os do Parlamento e mais uma vez a
imprensa, que cumpre seu papel, é colocada como vilã. Quem joga a
opinião pública contra a AL são os próprios integrantes da Casa ao
priorizarem seus interesses eleitorais, caso das emendas, em detrimento
da grandeza que o momento polÃtico e econômico do Tocantins exige de
seus membros.
Inclusive, essa estratégia de ignorar seus erros e atacar a mÃdia já foi
usada na atual legislatura, quando, no inÃcio dela, a imprensa
criticava o pagamento do também imoral auxÃlio-moradia. Ao invés de
fazer o mea-culpa, alguns deputados usaram de parte de uma
sessão para desferir crÃticas aos jornalistas e defender, acintosamente,
que o Parlamento não deveria abrir mão da benesse. Foi uma espécie de
"estou me lixando para a opinião pública" dito há alguns pelo deputado
federal Sérgio Moraes (PTB-RS), ao se ver denunciado no Conselho de
�tica da Câmara.
A coluna já contou algumas vezes aqui a história da criação dessas
malfadadas emendas parlamentares. Elas surgiram como reação do
governador Marcelo Miranda (PMDB), no final de 2005, Ã bancada federal
dominada pela extinta União do Tocantins. Na época, Marcelo não
conseguia atrair prefeitos ligados ao ex-governador Siqueira Campos (sem
partido), mantidos, rigidamente, com os recursos do Orçamento da União.
Assim, num momento de radical polarização do Estado, foi criado esse
"Frankenstein" estadual que agora tenta devorar o Palácio, por motivos
claramente eleitorais.
Marcelo errou ao decidir manter esse instrumento em 2006, que foi
tornado impositivo por projeto do ex-deputado estadual Freire Júnior
(PMDB), no governo Siqueira Campos, em outubro de 2014. Uma catástrofe
que leva às ingerências legislativa sobre as ações do executivo que
assistimos atualmente.
Emendas parlamentares são uma aberração tanto na AL quanto no Congresso
Nacional, onde chegou como forma de cooptação pelas mãos da ditadura
militar. Serve para criar feudos nas bases dos contemplados e como
instrumento de campanha eleitoral às custas do contribuinte. No
Tocantins, um deputado teve a desfaçatez de entregar ambulância a um
municÃpio, adquirida com recursos públicos, com o seu nome adesivado no
veÃculo para que se admirassem de seu "altruÃsmo". Ã? uma indecência.
Essa relação União-municÃpios e Estado-municÃpios deveria se dar
diretamente via Executivo, sem intermediários. Papel de parlamentar é
legislar e fiscalizar o governo. Só.
� preciso que fique claro que ninguém está contra a AL. Ao contrário, a
sociedade, e a imprensa como parte dela, quer um Legislativo forte,
grande, à altura dos desafios que se impõem ao Estado neste difÃcil
momento. Assim, a torcida de todos é para que nossos deputados mostrem
espÃrito público elevado e que suas preocupações com a profunda crise se
reflitam em ações concretas para que possamos superá-la.
� decepcionante ver que, a toque de caixa, se muda a Constituição
Estadual para garantir o recebimento de 90% das emendas para alegrar
prefeitos e conquistar, assim, importantes cabos eleitorais, enquanto
dois projetos de empréstimos, para obras estruturantes e que
movimentarão com R$ 600 milhões a economia estadual atualmente
estagnada, repousam numa gaveta há quase sete meses. E aqui não se
defende a sua aprovação cegamente, mas a tramitação, discussão e até
correções se necessário. Como já foi dito em outra coluna, se julgarem
que devem rejeitar essas propostas, muito bem. Expliquem isso Ã
sociedade e pronto. O que não se pode admitir é que projetos dessa
envergadura continuem parados e o Estado mofando, carente de ações que
lhe devolvam o dinamismo.
Por fim, em todos estes anos de cobertura do Legislativo, é a primeira
vez que vejo um Parlamento sem bancadas de oposição e situação
claramente definidas. Reflete a fraqueza do governo e, de outro modo,
configura uma relação de forças na Casa de forma diferente, pouco
ortodoxa, totalmente incomum. Como diria o ministro Marco Aurélio Mello,
do Supremo Tribunal Federal (STF): "São tempos estranhos, muito
estranhos, geradores de grande perplexidade".