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29/10/2015 - 20h04m

Justiça realiza inspeção em buraco onde homem vive há 25 anos, em Nova Roma (GO)

Fonte: Arianne Lopes / TJ-GO 
Fotos: Aline Caetano / TJ-GO

Conhecido como "homem buraco", Antônio Francisco Calado, 57, vive há 25 anos dentro de um buraco na cidade de Nova Roma, a 583 km de Goiânia, na região Nordeste do Estado.
A história despertou o interesse do juiz Everton Pereira Santos, que decidiu fazer uma inspeção judicial no local, para constatar sua incapacidade e condições de vida.
De acordo com a irmã de Antônio, ele sai do buraco todos os dias bem cedo e só retorna no fim da tarde.
 Quando foi localizado, ele estava com panos que usa como roupa e carregando objetos como facão, faca, punhal, isqueiro e um artefato para acender fogo. O "homem buraco" recebeu o magistrado enquanto fazia comida.
"Não vou oferecer, vocês não vão querer porque eu não lavo a panela tem uns 10 anos", revelou. O alimento foi dividido com uma raposa que ele pegou no mato e que lhe faz companhia. "Tem também esse aí, o Barão", disse, apontando para o cachorro. Os animais são os únicos companheiros dele.
Durante a conversa, foi questionado sobre a mãe, que morreu em 2012, ele respondeu: "Ela não foi embora, de vez em quando falo com ela, todos dias", disse, confuso. "O trovão e o raio também dizem o que eu devo fazer", acrescentou.
Antônio ainda disse que não sente medo do buraco desabar porque tem plástico e madeira que protegem o local.
Dentro da "casa", um oratório com pequenas imagens que ele afirmou serem seus irmãos, um lugar para guardar ferramentas, uma espécie de antesala com rede e uma base de madeira com panos velhos por cima, que lhe servia de cama. No alto da caverna, há um furo por onde ele consegue ver as estrelas quando está deitado.
No fim, o morador agradeceu a visita, disse que não sabia o que estava acontecendo e que era feliz.
 Ao ser questionado se precisaria de algo, foi enfático. "Sou feliz aqui. Não preciso de nada. Sou feliz com os animais. Eu durmo com eles, me falam as coisas que eu preciso fazer", completou.
A população de Nova Roma não entendem o porquê de ele ter essa vida, dúvida não foi respondida por ele, nem pela irmã, única pessoa que cuida dele.
Antônio aparenta ser um homem calmo e tranquilo. Segundo a irmã, Raimunda Teresa Calado, ele não toma banho, não faz a barba e muito menos corta as unhas. "Já tentamos dar banho nele, mas ele não quer. Diz que os animais não tomam banho e ele também não", contou.
Ela disse ainda que a água que ele toma é de um rio que passa no fundo da fazenda. "Ele não aceita nada que a gente dá para ele. E também não come carne, só salame".
Saúde
O laudo médico anexado aos autos atestou que Antônio tem esquizofrenia paranoide, uma perturbação mental grave caracterizada pela perda de contato com a realidade (psicose), alucinações e delírios (crenças falsas).
No caso de Antônio, percebe-se que existe uma lógica perfeita dentro do delírio, só que ela não corresponde à realidade.
"Periciado tem déficit cognitivo e desorientação mental com alienação mental sendo incapaz para a vida independente e para o labor", constatou a avaliação do médico perito.
 O laudo pericial foi realizado uma semana antes da data da audiência e na porta do fórum. "Tive que buscá-lo e prometer que o levaria de volta. Ele não saia de lá há mais de ano", frisou Raimunda, irmã dele. "A vida dele é isso aqui. Ele não aceita nada e diz que não precisa de nada. Sabemos que é doente e que precisa se tratar", destacou a irmã.
Justiça
No dia seguinte da visita, o juiz Everton Pereira, além de instruir e julgar a ação de interdição de Antônio, sentenciou os processos de pensão por morte dos pais dele, por ele ter sido considerado incapaz.
"O autor se isolou no meio da mata, abdicando de cuidados higiênicos, morando num buraco por ele construído, criando animais e com alimentação precária. A inspeção judicial reforçou a incapacidade já atestada no laudo médico pericial", destacou o juiz.
Com isso, Antônio receberá a pensão do pai e da mãe. No entendimento do juiz, "é possível a cumulação de pensões por morte em decorrência do falecimento de ambos os genitores do filho menor ou maior e inválido".

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