MPE quer impedir Estado e AL de gastarem com festas e publicidade até o fim de 2018 - Tribuna do Interior

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Tocantins, Sexta-feira, 19 de abril de 2024.
13/03/2017 - 08h06m

MPE quer impedir Estado e AL de gastarem com festas e publicidade até o fim de 2018

Luís Gomes do Portal CT 
Divulgação google

A crise financeira pela qual passa o Tocantins levou o Ministério Público (MPE) a propor ação para fazer com que o governo deixe de gastar com publicidade, festas, eventos musicais, religiosos, esportivos e comemorativos, feiras, vaquejadas, temporadas de praia e despesas semelhantes até o fim de 2018. O órgão também quer impedir que as emendas parlamentares destinadas a estes tipos de gastos sejam cumpridas, incluindo a Assembleia Legislativa no processo como polo passivo.

O Ministério Público afirma não considerar "legítimo" que gastos considerados supérfluos sejam priorizados em detrimento de serviços públicos essenciais, destacando a saúde, educação e segurança pública. O promotor Edson Azambuja, autor da ação, alega que o governo compromete "de forma dramática" a realização de atividades fundamentais da administração. "Violando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, moralidade, eficiência, proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso", anota.

Antes daas argumentações, o titular da 9ª Promotoria de Justiça da Capital garante que o Ministério Público não é contrário a realização de festas, eventos culturais ou religiosos. "Ao contrário, entende ser salutar a sua manifestação, desde que não sejam exercidos com emprego de verbas públicas ou, na pior, das hipóteses, desde que, primeiramente, sejam efetivadas as políticas públicas prioritárias da população", justifica Edson Azambuja, acrescentando que a atuação do órgão visa a defesa do patrimônio.

- Confira a íntegra da ação civil pública.

Investigação
Com isto exposto, a ação narra que o inquérito civil instaurado em agosto do ano passado verificou a ocorrência de custeio de eventos festivos e de entretenimento, preterindo serviços como como saúde, educação e segurança pública. "Notadamente em tempos de crise fiscal e de notória situação de penúria financeira vivenciada por esta unidade federativa", realça o promotor. A investigação resultou em recomendações para abster de tais despesas às pastas de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia, Turismo (Seden); da Agricultura e Pecuária (Seagro); e da Fazenda (Sefaz).

Segundo o Ministério Público, em resposta, as secretarias informaram que acolheram a recomendação expedida em agosto, entretanto, na prática, a orientação não foi seguida, o que levou a judicialização do pedido. "Os pagamentos continuaram a ocorrer, diante das pressões dos parlamentares para a priorização e atendimentos das demandas de cunho voluptuários apresentadas, sendo tais fatos amplamente repercutidos, ensejando no manejo da presente ação como forma de estancar esta sangria desmedida de recursos públicos", comenta o promotor.

Emendas
Como exemplo do montante despejados em eventos festivos, Edson Azambuja aponta que entre 6 de setembro e 29 de dezembro do ano foram efetuados pagamentos de R$ 24.048.115,16, provenientes de emendas parlamentares. As informações teriam sido levantadas do Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem), gerido pela Sefaz, conta. "O núcleo fundamental do mínimo existencial não são prioridades para alguns parlamentares, pois, acaso atuassem de forma republicana, teriam tido o zelo de destinar esses recursos prioritariamente para o atendimento de demandas essenciais, como a saúde, que se encontra deficiente", critica.

Além do já gasto em 2016, Edson Azambuja prevê que a priorização do custeio de eventos de entretenimento será mantido. O promotor cita que a Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano destina R$ 75,2 milhões para os parlamentares. Segundo a ação, do valor global das emendas, foram destinados o equivalente a 40,35% para festas, comemorações, denominado pelo Ministério Público como "atividades voluptuárias". "Acaso essas rubricas orçamentárias fossem destinadas ao custeio do núcleo fundamental do mínimo existencial, esse grave quadro instalado na saúde pública, poderia ser modificado em busca da eficiência estatal", argumenta.

"A discrepância no que tange a destinação de recursos decorrente de emendas parlamentares para o custeio de atividades voluptuárias se revelam tão evidente, que enquanto a destinação para o custeio de atividades voluptuárias atingiu o percentual considerável de 40,36 %; para a saúde, o percentual foi da ordem de 17,8%, enquanto que a educação teve como quinhão orçamentário o percentual de 5,9% e a segurança pública ínfimos 3,3 %, demonstrando que, apesar de toda a notoriedade da insuficiência econômico-financeira do Estado, alguns deputados ainda insistem em priorizar demandas supérfluas", dispara o autor da ação.

Executivo
O governo do Tocantins também foi alvo da argumentação da 9ª Promotoria da Capital. Inquérito instaurado em junho de 2016 para investigar a contratação das empresas Propaganda Desigual, Casa Brasil, TV3 Assessoria, Ginga Rara e Public para prestação de serviços de publicidade pelo valor de R$ 41.067.546,19. "A destinação de verbas públicas para a satisfação de atividade eminentemente voluptuárias, a par da não concretização de inúmeras demandas sociais de adimplemento obrigatório, soa como afronta e desprezo aos cidadãos destinatários de serviços essenciais", considera o Ministério Público.

Edson Azambuja diz considerar que a destinação de recursos por parte do Poder Público é "flagrantemente desproporcional, desprovida de razoabilidade e sem justificativa plausível". "Nessa perspectiva, o Ministério Público ajuíza a ação com vistas a preservar a aplicação adequada e eficiente de recursos públicos, buscando satisfazer e priorizar o atendimento às demandas do núcleo fundamental do mínimo existencial, buscando a eficiência estatal e a boa gestão de recursos. Adiante alguns exemplos do uso inadequado de recursos público", volta a justificar.

Fundamentos jurídicos
Para impedir que Estado gaste com eventos e festas, a Promotoria de Justiça indica a existência de desrespeito a fundamentos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como objetivo da República. A ação argumenta que que a apesar de Constituição assegurar o fomento ao lazer, à cultura e ao esporte, a saúde, educação e segurança pública configuram-se como essenciais. O Ministério Público reforça que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida.

"Nessa trilha de pensamento, trazendo o debate para a realidade tocantinense, não pairam dúvidas, de que nessa colisão de direitos fundamentais entre o direito ao lazer, cultura e esporte e o direito à saúde, educação e segurança pública, diante da dramática situação de penúria financeira vivenciada pelo Tocantins, que sequer consegue satisfazer às atividades essenciais que integram o mínimo existencial, devem prevalecer os investimentos e à destinação e canalização de recursos para saúde, educação e segurança pública", defende o promotor.

A ação civil também condena indícios de desvio de finalidade nas emendas parlamentares. "Consubstanciado no suposto desvirtuamento do interesse público", explica. O promotor afirma que foram instalados inquéritos para apurar e buscar responsabilização dos agentes públicos neste sentido. Como exemplo, Edson Azambuja cita a investigação de repasses para três entidades esportivas. "Esses fatos apenas corroboram a tese ora esposada, no sentido de que se revela inadmissível, na atual quadra, diante da notória insuficiência econômico-financeira do Estado, o custeio de atividades supérfluas em detrimento de serviços essenciais", reafirma.

Propaganda
Os gastos com publicidade foi destaque na argumentação da Promotoria, voltando a lembrar da contratação cinco empresas por R$ 41,2 milhões. A ação narra que o Ministério Público também ingressou com recomendação contra os gastos, tendo a Secretaria da Comunicação (Secom), assim como as outras pastas, informando obediência. Mas, novamente, o Estado não se atentou a advertência. "Os gastos com publicidade, ainda continuam ocorrendo, tendo, inclusive, obtido incremento orçamentário, majorando os recursos da ordem de R$ 20.369.687,00 para 22.842.162,00", conta o órgão, usando como base as Leis Orçamentárias de 2016 e 2017.

O Ministério Público reforça que em decisão cautelar do ano passado, o ministro Gilmar Mendes suspendeu parte de medida provisória que previa a concessão de créditos extraordinários de R$ 85 milhões, os quais seriam destinados à comunicação institucional da Presidência da República. O argumento usado foi não o fato de tais despesas não configurarem "imprevisíveis e urgentes". O promotor também fala sentença do Judiciário de Minas Gerais que determinou ao governo mineiro que se abstivesse de veicular propagandas que não tenham caráter efetivamente educativo, informativo ou de orientação social.

Ineficiência na saúde pública
O promotor também contextualiza sobre a atual situação da saúde pública no Tocantins, classificando-a como "deplorável". "Dezenas e dezenas de pessoas estão padecendo, sofrendo constrangimentos, humilhações e tendo o seu sagrado direito negligenciando â?? por omissão do Estado", afirma. Edson Azambuja elenca uma série de problemas enfrentados pelos hospitais noticiado pela imprensa e destaca o fato do Palácio Araguaia ser alvo constante de ações, sejam individuais ou coletivas. Neste quesito, o Ministério Público entende que o governo volta a descumprir preceitos constitucionais. "A Constituição erigiu a saúde à condição de direito fundamental e impôs ao poder público dever de assegurar sua proteção, promoção e recuperação", anota.

Obrigação de fazer
Em relação ao pedido feito, o Ministério Público volta a citar posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Desta vez dá destaque ao voto do ministro Ricardo Lewandowski, que entendeu ser lícito ao Judiciário impor à administração pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais, sob o argumento da "supremacia da dignidade da pessoa humana".

"Não se tem dúvidas de que o postulado da inafastabilidade da jurisdição é um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito, pois impede que lesões ou ameaças de lesões a direitos, como a que ora se insurge, sejam excluídas da apreciação do Judiciário. Sabe-se, que os princípios constitucionais, longe de configurarem meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes", argumenta.

Diante do que chama de preterição dos serviços fundamentais diante de atividades supérfluas, o Ministério Público entende que o governo do Tocantins viola os princípios da moralidade, eficiência, proporcionalidade e razoabilidade, dignidade da pessoa humana, proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso. "Eis que, ao se permitir com a destinação vultosa de recursos públicos para o custeio de atividades voluptuárias, mesmo diante da sua notória situação de insuficiência econômico-financeira, em desacordo com o interesse público, os atos não se revestirão legítimos", alega.

Imposição ilegal
Responsável por boa parte da destinação de recursos a festas e eventos, o Ministério Público argumenta ser inconstitucional as emendas impositivas dos deputados estaduais. Na visão da Promotoria de Justiça, a obrigação de executar programação orçamentária decorrente destas indicações parlamentares de caráter individual viola a Constituição Estadual e Federal, bem como ao princípio sensível da separação de poderes.

"O Poder Legislativo inconstitucionalmente impôs ao Poder Executivo a obrigatoriedade de efetuar o empenho, liquidação e pagamento das dotações orçamentárias provenientes de emendas parlamentares de caráter individual, usurpando do Poder Executivo a iniciativa e a respectiva autonomia que lhe foi concedida pela Constituição Federal e do Estado do Tocantins", afirma o promotor, criticando a violação da separação dos Poderes e citando jurisprudência do Supremo contar medidas semelhantes.

Pedidos
Assim, além de requerer o fim dos gastos com festas e eventos, o Ministério Público do Tocantins também quer que seja declarado inconstitucional a Emenda Constitucional número 27, de 15 de outubro de 2014, que alterou os artigos 80º e 81º da Constituição do Tocantins para tornar impositiva as emendas parlamentares.

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