Tribuna do Interior

Tocantins, Quinta-feira, 18 de abril de 2024.
21/01/2016 - 22h31m

Quem fiscaliza os "fiscais"?

Jorgam de Oliveira Soares 

"Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição".
"Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível". 
Mahatma Gandhi

No dia 20 de janeiro de 2016, a sociedade tocantinense fora duramente surpreendida com a divulgação pelos principais veículos de comunicação local de uma informação torpe e asquerosa, a saber, a instituição pelo Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins do pagamento do malfadado auxílio-moradia, materializada via ATOS nº 19 e 20, de 19 de janeiro de 2016 (publicado no Boletim Oficial do TCE-TO nº 1.545), operando efeitos retroativos, pasmem, a dezembro de 2012, no valor mensal de R$ 4.377,73, ensejando no dispêndio de recursos públicos para cada membro da Egrégia Corte de Contas, apenas a título de retroativos, no importe de R$ 262.663,80, sem prejuízos da percepção mensal com efeitos prospectivos, uma vez que já usufruem da famigerada benesse desde janeiro de 2015.

Jorgam de Oliveira Soares
? graduado em Direito e pós-graduando em Direito e Processo Administrativo pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)
jorgamsoares@yahoo.com.br

Será mesmo que se justifica um valor mensal de R$ 4.377,73, a título de auxílio-moradia para os "Nobres Conselheiros", que deveriam ser os "fiscais" do patrimônio público, considerando a realidade do País com piso para professor no valor de R$ 2.135,00 estabelecido pelo MEC para o ano de 2016 e com salário mínimo no valor de R$ 880?

A referida iniciativa, com o devido respeito, além de imoral, por estabelecer intolerável e inaceitável regalia, revela-se materialmente inconstitucional, pois, nos termos do § 4º do art. 39 na forma do art. 93, inciso V, ambos da Constituição Federal, os membros dos Tribunais de Contas serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no artigo 37, incisos X e XI da Constituição.

Isso se deve ao fato de que o art. 73, § 3º, da CRFB-88, reproduzido simetricamente no art. 35, § 2º, da Constituição Estadual, assegura aos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos e subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tiverem exercido efetivamente por mais de cinco anos.

Aqui cabe registrar, que os ATOS nº 19 e 20, de 19 de janeiro de 2016 (publicado no Boletim Oficial do TCE-TO nº 1.545), operando efeitos retroativos a dezembro de 2012, no valor mensal de R$ 4.377,73, editados com arrimo na Resolução Administrativa TCE-TO nº 01, de 21 de janeiro de 2015, ainda padecem de outro vício de inconstitucionalidade, qual seja, o da violação ao princípio da legalidade, pois a concessão da benesse somente seria legal, a despeito de imoral, acaso fosse instituída por Lei, já que cuida-se de conceito elementar no segmento jurídico que despesa, regra geral, somente pode ser instituída por Lei Ordinária, sendo submetida ao crivo do Poder Legislativo, o que não ocorreu no caso censurado. Prova disso, foi o próprio Tribunal de Justiça do Tocantins, que instituiu o auxílio-moradia aos seus membros mediante a edição da Lei Estadual nº 2.833-2014, dando concretude ao art. 65, inciso II, da Loman ?? Lei Orgânica da Magistratura Nacional, afastando a pecha da ilegalidade. No entanto, no caso vertente, o benefício nasceu de ato administrativo gestado de forma casuística, onde os próprios conselheiros, além de usurparem a prerrogativa dos parlamentares, ainda legislaram em benefício próprio.

Já no que diz respeito ao mérito, diga-se, de logo, que não é totalmente correto afirmar que o auxílio-moradia embora tenha previsão na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), seja legal! ? que, de fato, não há como se negar que muitos dos benefícios previstos na Loman não foram recepcionados pela Constituição da República Federativa do Brasil-88, por violarem o regime do subsídio previsto no artigo 39, parágrafo 4º, da CRFB (em 1979, o pagamento era feito por meio de vencimentos). Ao que tudo indica esse deve ser o ponto de partida no julgamento a ser feito pelo Supremo Tribunal Federal-STF ao promover o julgamento da Ação Originária-AO nº 1773: o artigo 65, inciso II, da Loman, a partir da análise da natureza do benefício nele previsto, foi ou não recepcionado pela nova ordem constitucional? Entendemos que não, pois viola o regime do subsídio, como adiante demonstraremos.

Nessa trilha de pensamento, do ponto de vista analógico, valiosas são as lições do Procurador Federal, Carlos André Studart Pereira, de que "por outro lado, peculiar é a situação de um juiz designado, por exemplo, para exercer suas funções fora do local de lotação, como os convocados para auxiliar os ministros do STF. Apenas em casos como esse, a indenização é merecida e constitucionalmente adequada, o que não se aplica aos Eminentes Conselheiros do Tribunal de Contas do Tocantins, já que todos residem em Palmas-TO, demonstrando de forma cristalina o desvirtuamento do aludido instituto.

Assim, partindo desta premissa, para o mencionado autor, só faria jus ao benefício aquele Conselheiro que tiver de exercer as novas funções fora da sua lotação. Isso está muito claro. Partindo-se dessa premissa, o auxílio-moradia pago àqueles que exercem suas funções no local de sua lotação, como os membros do TCE-TO, não pode ter natureza indenizatória, sendo incabível sua cumulação com o subsídio.

Estar-se-ia indenizando o quê? A moradia? Desde quando o agente público que trabalha no local de sua lotação tem direito a ter a moradia custeada pela Administração? Não se pode negar que a previsão de "residência oficial" para magistrado é algo arcaico, que não se harmoniza com a realidade (social, cultural etc) de hoje, tampouco com Constituição de 1988 e no caso do TCE-TO ele sequer dispõe de moradia oficial.

Na prática, o que se percebe é que essas verbas têm sido pagas de maneira disfarçada, como se fossem indenizações ?? e por isso não estariam sujeitas à parcela única ou ao teto remuneratório, burlando o espírito do constituinte, que já instituiu o regime de subsídios como forma de inibir a majoração dissimulada dos vencimentos dos agentes públicos.

Lado outro, não satisfeitos com o ato torpe engendrado, a Corte de Contas, via ATO nº 18, de 19 de janeiro de 2016 (publicado no Boletim Oficial do TCE-TO nº 1.545), ainda majorou para R$ 1.200,00 o auxílio-alimentação dos serventuários administrativos com vistas, talvez, quem saiba, aplacar o sentimento de revolta e fúria daqueles, demovendo-os de eventual insurgência em face do famigerado auxílio-moradia, como se fosse um prêmio de consolação, onde você não me questiona e eu te premio e todos nós ficaremos felizes enquanto durar esse "amor", num pacto pela promiscuidade, a custas do combalido erário.

Não estamos a proclamar que os servidores não sejam merecedores do auxílio-alimentação. Pelo contrário, o questionamento que efetuamos é que eles não podem aceitar esta conduta asquerosa do auxílio-moradia apenas porque tiveram o seu benefício majorado.

Essa infeliz, inconsequente, imoral e inconstitucional medida, conforme veiculado pela imprensa local, pasmem, vai custar ao já surrado, ignorado e pisoteado cidadão, o importe de R$ 6.800.000,00 (seis milhões e oitocentos mil reais), sem prejuízos de novos reajustes, justamente em um Estado que sequer dispõe de recursos financeiros para custear o aluguel social de inúmeras famílias que não possuem um lugar para morar com dignidade, embora o direito constitucional à moradia possua previsão constitucional! Medidas dessa natureza revelam-se como um acinte as pessoas de bem, que não toleram mais ter que conviver e serem vítimas de gestores desastrosos e ambiciosos do ponto de vista administrativo.

Lamentável e incompreensivelmente estas benesses foram instituídas justamente por quem possui a prerrogativa constitucional de auxiliar o Poder Legislativo a exercer o controle externo dos atos da administração pública, incumbindo-lhe o art. 71, incisos I e II, da Constituição da República Federativa do Brasil-1988, reproduzido simetricamente no art. 33, incisos I e II, da Constituição Estadual, de apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, pela administração financeira dos Municípios e por todas as entidades da administração direta e indireta, estadual e municipal, mediante parecer prévio e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelos Poderes Públicos estadual e municipal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

Nessa perspectiva, o primeiro questionamento que se vem a lume é qual a envergadura moral do TCE-TO para julgar irregulares as contas dos ordenadores de despesas, que, em algumas ocasiões, ainda que de forma reprováveis as suas condutas, causaram danos de menores proporções ao que ora fora protagonizado pelos "fiscais" do controle externo.

Não obstante isso, importante consignar, que este pacote de benesses à custa do contribuinte, foi instituído justamente em um dos mais graves e sensíveis momentos do ponto de vista financeiro de que se têm notícias que a administração pública vivencia, a exemplo do Governo do Tocantins, que sequer conseguiu efetuar o pagamento integral da gratificação natalina (13º salário) a todos os servidores do executivo estadual, sem falar da sua inadimplência com inúmeros benefícios funcionais legalmente assegurados aos integrantes das diversas carreiras, a exemplo das forças policiais, saúde, educação, dentre outros.

Imagina o sentimento de irresignação difusamente alimentado pela população tocantinense, que em sua grande maioria sequer possui renda equivalente ao valor do assombroso auxílio-moradia do TCE-TO e de igual forma os inúmeros cidadãos que não desfrutam de casa própria e muitas vezes não conseguem efetuar o pagamento dos aluguéis, diante da fragilidade financeira que vivenciam, ao se depararem com essa situação protagonizada justamente por quem deveria dar o bom exemplo.

Logo, diante dessa infeliz iniciativa do atual Presidente do Egrégio Tribunal de Contas do Tocantins, revela-se inconcebível que esta benesse seja mantida, não podendo a sociedade civil organizada aceitar calada essa afronta a nossa consciência, ainda mais quando se tem em relevo, conforme bem destacado pelo famoso pensador e filósofo grego Aristóteles, que "O homem, quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos, quando afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa quando armada, e o homem nasce dotado de armas para serem usadas pela inteligência e pelo talento, mas pode sê-lo em sentido inteiramente oposto. Logo, quando destituído de qualidades morais, o homem é o mais impiedoso e selvagem dos animais e o pior em relação ao sexo e a gula".

O Tribunal de Contas, como órgão responsável em auxiliar o Poder Legislativo a exercer o controle externo dos atos da administração pública, ao instituir esse "pacote de benesses" revela-se incoerente, pois agracia seus membros com "presentes" a custa da combalida sociedade, não condizendo com suas atividades finalísticas de velar pelo respeito à Constituição Federal, a lei e à moralidade pública.

Como bem disse a exímia jornalista goiana Fabiana Pulcineli, ao abordar em Goiás situação semelhante ao que ora vivenciamos no Tocantins, o TCE-TO, em vez de repudiar e rejeitar as práticas malévolas, com atitudes dessa natureza, se aproxima cada vez mais dos maus exemplos, privilégios, benefícios, relações pouca republicanas e patrimonialismo que marcam outros poderes, depondo contra a sua própria finalidade institucional, que é justamente a de "velar pela correta aplicação dos recursos públicos".

Os tribunais de contas, embora a Constituição Federal preconize que são órgãos auxiliares do poder Legislativo, também não cumpre com o seu mister constitucional. Isso porque os deputados, que deveriam fiscalizá-los, não fiscalizam. Não o fazem porque as contas do Legislativo correm o risco de não serem aprovadas e assim diante do temor reverencial que nutrem pelos "Nobres Conselheiros", acabam consentindo com tal prática. Aliais, sequer podem questionar, pois a Assembleia Legislativa do Tocantins também instituiu a malsinada benesse e, portanto já não tem mais envergadura moral para questioná-lo.

Logo, os cidadãos de bem não pode consentir com essa promiscuidade e devem voltar às ruas para se insurgir contra essa atitude antirrepublicana, pois, quem sabe assim o TCE-TO aprenda a atuar em sintonia com os interesses da sociedade. Neste quadro assombroso, a pergunta que a população mais deseja saber é "SOBRE QUEM FISCALIZARÁ O FISCAL" ?, pois de um "tribunal faz de contas" ela não deseja e muito menos tolera, diante do seu altíssimo custo de manutenção, arcado pelo pagamento de impostos via contribuintes!

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